A democracia não é uma dádiva. Nem no sentido de perfeição, muito menos no sentido de presente. Para ser verdadeira e estável, a dinâmica democrática exige que os seus pressupostos sejam constantemente aperfeiçoados e defendidos.
Entre os princípios que constituem uma sociedade democrática está a liberdade de expressão, que consiste na materialização da liberdade da consciência, e é, portanto, fonte de todas as outras liberdades e condição sine qua non para a existência de uma coisa chamada individualidade humana.
Bem no meio dessa intrincada rede de sustentações composta de direitos e deveres, coletivos e individuais, encontra-se a “opinião”, essa palavra muito usada e pouco compreendida, que serve a variados propósitos e que frequentemente é alçada ao Olimpo sem a exigência da sua adequação à realidade.
Nos últimos anos tem aumentado o espaço e a relevância das opiniões pessoais. Tudo passou a ser nivelado como opinião, desde palpites espontâneos a escolhas racionais, passando por reflexos condicionados e palavras de ordem. Com o crescimento e a onipresença das redes sociais, o espaço e o acesso à opinião aumentaram consideravelmente, o que torna o assunto ainda mais importante para qualquer um que pretenda entender o panorama sócio-político.
Diante da importância cada vez maior destas novas formas de comunicação, que permitem a publicação das manifestações pessoais sem qualquer exigência de contrapartida, torna-se imprescindível refletir sobre a essência e os acidentes relacionados à formação, influência, cristalização e repercussão da opinião.
Em meus estudos sobre a cronologia dos planos de constituir um governo mundial, notei que ao longo do tempo um fator foi particularmente aprimorado com mais afinco que os demais. Depois de alguns projetos baseados principalmente na força militar, econômica e política, as iniciativas visando convencimento, persuasão e qualquer outro tipo de influência tornaram-se o foco das atenções destes planejadores, e por fim mostraram-se mais eficientes que os fuzis e as legislações. Mesmo quando comparada a outros aspectos como sistemas econômicos e iniciativas políticas, nenhuma outra área recebeu mais atenção daqueles que desejam controlar o mundo inteiro.
Como a eficácia deste tipo de iniciativa depende de um certo grau de discrição, a maioria das pessoas nem imagina que por trás de toda comunicação global, principalmente nos assuntos vitais e estratégicos, existe uma intenção deliberada de interferir na opinião das pessoas, com técnicas, métodos e experimentos. Na verdade poucos sabem que o controle da opinião pública é tema de inúmeros estudos e tem sido beneficiado com financiamentos de valores incalculáveis.
Qualquer um que tenha pesquisado sobre os regimes totalitários que inspiraram os projetos que hoje são conhecidos como Nova Ordem Mundial sabe que a questão da manipulação da opinião é central nesse processo. De Antonio Gramsci à Escola de Frankfurt, passando por diversos outros pensadores, fica evidente que a estratégia mudou drasticamente após os fracassos dos regimes soviético e nazista. O foco, que era “mudar a sociedade de cima para baixo”, transformou-se em uma série de iniciativas que têm como objetivo mudar antecipadamente o pensamento do indivíduo e desta forma enfrentar menos resistência para as futuras implantações.
Basta pensar um pouco para perceber que de nada adianta lutar contra as iniciativas políticas e econômicas que compõem estes planos sem conhecer a estratégia insidiosa que se esconde na comunicação de massa. E assim que eu percebi que esta era a chave para compreender o panorama e prever os rumos das decisões políticas, passei a procurar pelos estudos sobre o tema. O que eu não esperava é que a maioria dos estudos mais sérios e documentados sobre a influência da comunicação na formação das opiniões levava a um assunto ainda mais específico e profundo, a Espiral do Silêncio.
A autora deste estudo, que serviu a muitos outros sobre ciência política, opinião pública e mídia é uma professora alemã, Elisabeth Noelle-Neumann, nascida em Berlim em 1916 e falecida em 2010. Seus estudos, iniciados ainda na década de 1960, demonstram, de forma objetiva e indiscutível, que a psicologia humana obedece a certos preceitos para a formação da opinião, seja pública ou individual.
Olavo de Carvalho, que foi o grande responsável por aprofundar as questões levantadas por Noelle-Neumann no Brasil, explica a peculiaridade desta questão eminentemente psicológica, que atinge o imaginário e talvez até o subconsciente das pessoas. O filósofo sintetiza a Espiral do Silêncio como um jogo de impressões e de emoções vagas, e não um processo de doutrinação ideológica. Tal característica exige uma observação muito mais atenta e um estudo mais apurado, o que torna este livro ainda mais necessário.
Como já estava habituado a não encontrar no Brasil alguns dos livros essenciais ao assunto que pesquisava, principalmente aqueles que desmontam ou simplesmente questionam as argumentações do status quo, não foi uma surpresa descobrir que o livro ainda não tinha uma edição brasileira.
Décadas depois, portanto, chega ao Brasil o livro que traz todas as informações necessárias para a compreensão dessa estratégia e que permite, ao leitor atento, imunizar a sua percepção de forma a não ser mais um idiota-útil.
Partindo de pesquisas realizadas nas eleições alemãs entre 1965 e 1971, a autora percorre um longo e detalhado caminho, mostrando passo a passo o funcionamento dos mecanismos que influenciam o posicionamento e a tomada de decisões.
Todo estruturado como uma aula, o livro lançado agora no Brasil pela editora Estudos Nacionais traz todas as etapas necessárias para a compreensão do que vem a ser a Espiral do Silêncio e suas entranhas.
O livro começa apresentando as ferramentas que serão utilizadas, avança para abordagens mais diretas sobre as questões relacionadas à opinião, suas características e particularidades, tudo com absoluta transparência e obedecendo a rigoroso método científico.
Logo no início o leitor já entende o que é, como funciona e quais os métodos utilizados, levantando hipóteses e abrindo para uma abordagem muito profunda sobre o poder de influência do que a autora chama de isolamento, a força ativadora da Espiral do Silêncio.
Os capítulos vão se desenvolvendo de forma organizada e didática, com experimentos, entrevistas e cruzamento de dados entre vários estudos, tudo sustentado com uma enxurrada de exemplos.
Em menos de 30 capítulos Noelle-Neumann oferece a explicação de todo um sistema, que começa com a compreensão do tema central e continua com observações históricas e demonstrações práticas do seu funcionamento, o que permite ao leitor adquirir um aparato de conhecimentos e técnicas que vão abrir sua compreensão não apenas nas questões diretamente ligadas à ciência política, mas de toda comunicação de alguma forma relacionada com a opinião pública.
O ponto alto do livro, no meu entender, reside na capacidade da autora de entrar no tema sem se apegar a formalismos vazios ou academicismos desnecessários, mas vários outros aspectos merecem destaque.
Diluída em diversos momentos ao longo do livro, a demonstração da impossibilidade de avaliar a questão como uma simples fórmula matemática é outro ponto essencial do estudo. A opinião pública não é simplesmente a soma das opiniões pessoais e nem mesmo a média entre elas. A autora mostra detalhadamente como os mais variados fatores, muitas vezes desconexos e até mesmo aparentemente contraditórios, tendem a direcionar o pensamento e o comportamento de uma maneira que as pesquisas mais superficiais nunca poderiam ou poderão revelar. Com este olhar diferenciado o livro desmonta diversos métodos simplórios de aferição usados em pesquisas cotidianas e mostra como esses levantamentos também são usados para manipular a opinião pública.
Também merece registro o enfoque na observação da forma que as notícias são propagadas, jogando luz não apenas sobre o conteúdo transmitido, o que leva o leitor a compreender e identificar o corporativismo da imprensa, seus reais objetivos, muitas vezes não declarados, e seus métodos de manipulação, exagero e ocultação da informação circulante.
Este livro oferece ainda o mais precioso dos instrumentos para demonstrar que existe manipulação deliberada na transmissão da informação. E prova que a aplicação da Espiral do Silêncio não é espontânea e definitivamente não é um fato isolado. Esta questão é decisiva porque muitas pessoas intuitivamente desconfiam que existe algum tipo de manipulação das informações, mas só conseguem enxergar interesses pontuais sobre a distorção de uma notícia, sem perceber que existem ligações com várias outras.
Com o politicamente correto onipresente e a disseminação avassaladora das iniciativas de engenharia social, o lançamento da primeira versão brasileira deste clássico é motivo de comemoração para todos que tenham interesse em proteger a sanidade das suas opiniões e dos seus posicionamentos.